O dragão
Parábola. Era uma vez um lugar dominado por um dragão. O dragão era mau. O dragão era aterrorizador. O dragão comia gente. Todos os dias um número determinado de pessoas — o dragão estabelecia a cota mensal — era atirado dentro da caverna do dragão, que devorava as pessoas depois de assá-las com as labaredas das suas ventas. E o dragão não controlava apenas a sua própria dieta. Controlava toda a vida do lugar, com sua presença ameaçadora e suas ordens. O lugar não ia para a frente por causa do dragão. Não progredia porque o dragão não deixava. Não dava de comer à sua população porque tinha que dar sua população para comer ao dragão.
Aquilo não podia continuar assim. Precisavam de alguém para enfrentar o dragão, para matá-lo ou fazê-lo fugir. E encontraram alguém. Um cavalheiro destemido, acostumado a grandes lutas. E começaram a preparar o cavalheiro para enfrentar o dragão. Não foi um processo rápido, levou anos. O cavalheiro não teve que ser convencido da maldade do dragão. Ele mesmo tivera companheiros devorados pelo dragão. Odiava o dragão. Todo mundo concordava que o dragão tinha que cair para que o lugar se erguesse. O importante era saber como derrotar o dragão. E só entrar na caverna quando o cavalheiro, eleito pelo lugar para livrá-los do dragão, estivesse pronto.
Foi um treinamento extenso e meticuloso. Tudo foi previsto. Assim que percebesse que o cavalheiro não era apenas outro prato, o dragão reagiria com ameaças e insultos pesados. O cavalheiro foi preparado para responder à altura. Entraria na caverna com o discurso pronto. O dragão lançaria fogo pelas ventas. O cavalheiro iria equipado para resistir ao fogo. O dragão usaria o seu rabo serrilhado para tentar cortar o cavalheiro ao meio. O cavalheiro treinou muito a manobra evita-rabo. O dragão tentaria esmagar o cavalheiro com uma das suas grandes patas ou trespassá-lo com uma das suas grandes unhas. O cavalheiro saberia como se esquivar das patas e das unhas. O cavalheiro estava pronto para entrar na caverna e enfrentar o dragão.
Entrou, e foi aquele silêncio. Do lado de fora da caverna toda a população na expectativa dos sons da luta, dos sinais de que o cavalheiro e o dragão combatiam até a morte, e nada. Silêncio. Horas, dias, meses de silêncio. Finalmente se atreveram a espiar para dentro da caverna e viram o cavalheiro e o dragão lado a lado batendo o maior papo. “Sabe que ele é até simpático?”, disse o cavalheiro, quando lhe cobraram. Tinham preparado o cavalheiro para todas as eventualidades, menos a de o dragão gostar dele.
Luis Fernando Veríssimo
Dica da Odila.
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