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"Toda instituição passa por três estágios - utilidade, privilégio e abuso." François Chateaubriand



segunda-feira, novembro 01, 2004

Desenvolvimento Sustentável




O novo nome para a paz

    por Israel Klabin



O Prêmio Nobel da Paz de 2004 premiou o futuro e criticou o presente. Abriu uma bem-vinda interrogação: por que razão o ativismo em desenvolvimento sustentável recebeu o Prêmio Nobel da Paz?

Os caminhos do desenvolvimento sustentável passam necessariamente pela formação de uma consciência humanística global, única maneira de se assegurar paz e sobrevivência para o planeta, para os países, para as cidades e para cada um de nós. Wangari é uma mulher, negra africana, bióloga, humanista e, acima de tudo, uma crente de que a presença do homem no planeta está ligada aos princípios básicos de: justiça social, respeito à dignidade humana e, sobretudo, a preservação dos recursos naturais, benesse que nos foi dada no início dos tempos. Essa mulher negra africana representa todos nós os que vêm, nos últimos vinte anos, procurando os caminhos de um novo modelo que nos dê esperança quanto ao futuro. Muta Maathai participou da Conferência Rio+5 em 1997, quando foi estabelecida e confirmada a necessidade de ser acrescentado ao vetor econômico da sustentabilidade ambiental o fator social como destinatário final desse desenvolvimento.

Por que o Nobel da Paz premiou não apenas Wangari Muta Maathai, mas todos aqueles que acreditam na necessidade de revisão do modelo político-econômico que é preponderante em praticamente todos os países do planeta? Por que, depois de Gro Brundtland, a grande norueguesa que primeiro levantou a tese de desenvolvimento sustentável em 1972 (tese que foi consagrada por todos os países do planeta em 1992), tivemos outra mulher, negra e africana, a receber o reconhecimento mundial pela sua ação de preservação do meio ambiente e de justiça social? A visão de futuro da mulher é sólida e carnalmente comprometida com a descendência por ela gerada. O compromisso de preservação dos recursos naturais se liga diretamente à herança que deixaremos para nossa descendência. Esse é o grito do presente para aqueles que olham para o futuro. Qual é a luta desses que, no presente, olham para as injustiças e as inadequações do modelo político, econômico e social que herdamos do passado?

Wangari trabalhou no campo, estudou na universidade, agiu na política e compreendeu que o mundo não é apenas o território no qual ela vive. O Prêmio Nobel por ela recebido extrapola o exemplo do Quênia para o resto do planeta.

Aceitamos a convocação de Wangari para formarmos uma tribo global, cuja missão é procurar a implementação daquilo que hoje já sabemos o que seja: desenvolvimento sustentável.

Acrescentar ao modelo político-econômico-social elementos de sustentabilidade somente é possível através de lideranças esclarecidas. A presença de vozes guias é importante, porém a transição de um modelo para outro depende igualmente da evolução da ciência, da formação de uma consciência pública através da educação e da substituição de instituições públicas e privadas por uma modernidade que inclua desenvolvimento sustentável, ou seja, a integração de políticas públicas com as técnicas de sustentabilidade corporativa. Na evolução dos últimos cinqüenta anos, o planeta suportou guerras, ideologias conflitantes, explosões demográficas, destruição do meio ambiente e aumento incomensurável da pobreza. Por outro lado, assistimos a instituições que foram feitas visando à promoção do bem-estar e da justiça tornarem-se anacrônicas e dogmáticas. Das Nações Unidas à Organização Mundial de Comércio, do Fundo Monetário Internacional ao Banco Mundial e aos diversos fundos feitos pelos oito países desenvolvidos com os seus surplus econômicos, nenhum desses instrumentos foi capaz de consolidar os conceitos de sustentabilidade dos recursos naturais e da justiça social.

O mundo continua pendurado na idéia de que “segurança é melhor”, e que na maior parte das vezes ela só é alcançada através de atividade militar. Isso é revelado através das enormes despesas militares, que já em 1991 — portanto um ano antes da Rio-92 — consumiam um trilhão de dólares, ou seja, praticamente três bilhões de dólares por dia em orçamentos militares. O total do orçamento militar mundial naquele ano era idêntico à renda coletiva de metade da Humanidade.

Hoje, em 2004, o orçamento militar do planeta é muito maior e a porcentagem da Humanidade desassistida também cresceu na mesma proporção.

Algumas opções para a utilização de uma pequena parcela do orçamento militar que poderiam significar um passo gigantesco no caminho do desenvolvimento sustentável:

1) Desenvolver a agricultura mundial, de tal forma que toda a Humanidade pudesse dormir tendo recebido durante o dia a quantidade necessária de alimentos, custaria 40 bilhões de dólares por ano, ou seja, menos do que o custo do strategic defense initiative program dos Estados Unidos.

2) Para que um terço da Humanidade que não tem acesso à água ou ao saneamento básico (a água impura está associada a 80% das doenças dos países em desenvolvimento) passasse a deles usufruir, o custo seria de 36 bilhões de dólares por ano. Isso é equivalente a um pouco mais do que 12 dias de despesas militares do planeta.

3) O total gasto no desenvolvimento de novas armas (aproximadamente 120 bilhões de dólares por ano) é oito vezes maior do que o total gasto em pesquisa sobre novas fontes de energia.

4) Para suprir globalmente programas de imunização contra doenças epidêmicas ou pandêmicas para as crianças de 5 anos de idade, o custo seria de 1,5 bilhão de dólares, ou seja, o mesmo que um submarino atômico ou um dia da Guerra do Golfo.

5) Para salvar dois milhões de crianças do mundo em desenvolvimento que morrem a cada ano de diarréia por falta de acesso à água pura, o custo seria de 50 milhões de dólares, ou seja, menos do que 30 minutos de gastos nas diversas maneiras de matar pessoas.

6) Para reverter a desertificação no planeta, o custo seria de 12 bilhões de dólares por ano, ou seja, quatro dias de despesa militar.

7) Para que pudesse haver um fundo de conservação das florestas tropicais do planeta, essenciais para a manutenção do equilíbrio climático global, o custo seria de dois bilhões de dólares por ano, ou seja, o equivalente a 16 horas de despesas militares, ou então o equivalente a um submarino nuclear armado*.

Como disse Willy Brandt em 1986, “a corrida armamentista está matando pessoas sem que as armas sejam usadas”.

Wangari Muta Maathai mereceu o Prêmio Nobel por ter mostrado ao mundo, na humildade e perseverança de sua ação em um país pobre africano, que os caminhos para a paz passam obrigatoriamente por um novo modelo: desenvolvimento sustentável.

ISRAEL KLABIN é presidente da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável — FBDS.



Fonte

Brazil/rio/, speaks portuguese